Meditação: Mindfulness e Insght

Conceito, origem e benefícios

Mindfulness é um estado mental que nos capacita a autorregular  a atenção e desenvolver consciência dos eventos mentais e da experiência do presente.

Traduzido em português como “Atenção Plena” ou “Consciência Plena”, a meditação  mindfulness se popularizou nas grandes empresas entre os funcionários que buscam uma forma de melhorar a atenção edesenvolver capacidade criativa além de um  alívio para o estresse do dia a dia.  Estas práticas viraram uma febre na região do Vale do Silício, onde empresas das mais inovadoras do mundo estão localizadas, como Google, Apple e Twitter. Tais corporações investem em treinamentos de mindfulness para seus funcionários há tempos, no Google um programa de inteligência emocional baseado em meditação é oferecido gratuitamente aos seus colaboradores.

Para atingir este estado, utiliza-se principalmente a meditação em concentração durante um período de tempo em determinado objeto ou nas próprias reações de seu corpo: a respiração ou os batimentos cardíacos, por exemplo. Embora se recomende qualquer objeto, a respiração pela sua relação intima com nossos estados mentais, é o objeto tradicionalmente mais utilizado.

Diferença entre uma mente e atenta e desatenta

Atenção Plena Desatenção
Atenção no presente Atenção oscilando no passado e no futuro
Abertura e aceitação Piloto automático
Evita o julgamento Perspectiva única
Maior consciência situacional Movida por padrões e crenças

Em uma prática de meditação, a concentração deve ser buscada de forma amigável, pois a mente é altamente influenciável. Se ficarmos irritados ou inconformados com as dificuldades nossa mente será influenciadas por estes estados e desvirtuará o real objetivo.  No início devido a falta de pratica nosso esforço será o de trazer a mente de volta ao objeto e pacientemente vamos aumentando nossa capacidade de manter a atenção no objeto.

A concentração exerce um grande poder sobre o estado da mente e do cérebro, se a mente estiver calma um grande potencial interno pode ser revelado. Daniel Goleman em seu livro foco relata que praticantes de esportes radicais como alpinismo, por exemplo, uma situação em que precisam estar totalmente focado. Este foco poderoso traz uma sensação de paz e alegria relatam praticantes de alpinismo e outras modalidades. Muitos estudos científicos[1] demonstram mudanças no estado do cérebro.  Quando uma pessoa está estressada, a atividade no córtex pré-frontal (área do cérebro responsável pelo pensamento consciente e planejamento) diminui, enquanto a atividade na amígdala, no hipotálamo, e no cíngulo anterior do córtex, regiões que ativam respostas ao stress, aumentam. A meditação mindfulness inverte esses padrões: ela aumenta a atividade pré-frontal, o que pode regular e “desligar” a resposta biológica ao stress. Isso torna possível reduzir o risco e a gravidade de doenças ligadas a essas respostas, como depressão e problemas do coração. Hospitais e o sistema público de saúde (SUS) vêm implantando  programas de meditação[2]  e seus resultados tem se mostrado eficiente no tratamento do estresse, ansiedade, depressão e dores crônicas.

Benefícios comparados à desatenção

Atenção Plena Desatenção
Contribui para saúde física e mental Contribui para estresse e doenças
Maior equilíbrio e referencia interna Maior impacto dos fatos externos
Criatividade e flexibilidade mental Agitação, ansiedade e rigidez
Decisões mais fluidas Dúvida
Pré-requisito para sabedoria Contribui para confusão e aflição
Facilita acessar níveis mais sutis (intuição, insight, etc) Nível convencional

[1] http://www.brasilpost.com.br/2015/02/19/mindfullness-estudo_n_6712620.html

http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2016/03/1744906-meditacao-da-atencao-plena-monopoliza-pesquisas-sobre-o-tema.shtml

[2] http://saudebusiness.com/noticias/mindfulness-chega-ao-sus/

http://www2.unifesp.br/proex/novo/pps/programasprojetos/projetos-2013/campus-sao-paulo/73-programa-mente-aberta-nucleo-de-mindfulness-e-promocao-da-saude

A meditação mindfulness tem origem a partir das práticas meditativas orientais, principalmente no budismo. Esta técnica passou a ser objeto de estudo da medicina e psicologia comportamental, como parte de uma série de programas para a redução do estresse.  Este processo de adaptação dos métodos tradicionais budistas realizado por médicos, cientistas e pesquisadores ocidentais, principalmente para reduzir estresses, ansiedade e outros distúrbios, embora traga grande contribuição para nossa sociedade foi realizado desconsiderando todo o potencial que as praticas meditativas tradicionais possuem.  O foco dos cientistas foi a pratica que gera concentração e estabilidade mental enquanto que a que gera sabedoria não foi considerada. As praticas tradicionais vão além da preocupação com a saúde e o bem estar e visam também desenvolver sabedoria e realizar o potencial da mente.

Dois Tipos de Meditação

Para compreender melhor este tópico usaremos uma metáfora com uma vela ou lamparina. A função de uma vela ou lamparina é iluminar um objeto, um ambiente ou uma determinada situação, mas se a chama não estiver estabilizada ou estiver muito fraca sua função estará prejudicada, se ela estiver agitada por uma corrente de vento ou algum objeto impedir a plena passagem da luz nossa visão será prejudicada, não conseguiremos ver os objetos no entorno e muito menos observar a situação adequadamente.

Da mesma forma será com nossa mente, a sua agitação ou seu torpor dificultarão nossa percepção. Seguindo nossa metáfora, muitas crenças e modelos mentais equivocados, que funcionam como filtros impedem que possamos perceber adequadamente o mundo a nossa volta.

Então, como um pássaro que precisa das duas asas para voar, desenvolver o potencial pleno da mente na a tradição budista requer dois tipos de meditação: a meditação em concentração, mindfulness ou atenção plena (Shamatha, uma palavra sânscrita que significa “permanecer calmo”) e a meditação em sabedoria, ou meditação analítica (vipaśyanā uma palavra sânscrita que significa “visão interior profunda” ou ver as coisas como elas realmente são). A meditação analítica também é chamada de insght.

Desse modo no treinamento budista, utilizamos a meditação para duas funções principais: para desenvolver concentração e estabilidade interna, e para desenvolver nossa consciência assimilando o treinamento em diversos tópicos. A meditação em concentração, por exemplo, implica concentrar, principalmente na respiração ou num objeto visualizado, ao passo que a meditação analítica implica concentrar em um tópico específico que estudamos e contemplamos.

A primeira das duas funções da meditação, desenvolvimento da concentração e estabilidade interna, significa fortalecer a mente para permanecer mais estável e focada. É um antídoto para a propensão da mente a oscilações e agitações. Começamos a meditação de concentração relaxando, o que permite que a mente se acalme. Pode ser simplesmente uma sessão de respiração. Somente cinco ou dez respirações relaxantes podem ser surpreendentemente úteis. Então podemos partir para outro nível concentrando-nos em um objeto, normalmente a respiração ou uma imagem visualizada. Como construímos experiência com isso, obtemos níveis crescentes de estabilidade mental e força.

A segunda função da meditação é assimilar os treinamentos. Se desenvolvermos nossos pensamentos e, através da meditação, familiarizarmos a mente com conceitos e atributos que podem melhorar o nosso bem-estar interno, então a mente começa a absorver e assimilar esses atributos. Isso é chamado de meditação analítica, pois implica a contemplação e a análise de tópicos específicos. Os exemplos incluem a análise da natureza e das causas das emoções negativas, como raiva, inveja ou ganância; a contemplação do significado e do cultivo da compaixão; ou a concentração em vários argumentos e ideias sobre a natureza do eu e da realidade; e assim por diante.

Por familiarizarmo-nos repetidamente com esses e outros tópicos, tornamo-nos mais sintonizados com eles e mais capazes de integrá-los nas nossas vidas. Esse processo de assimilação do treinamento requer o estudo e debate dos vários tópicos do treinamento mental. Quanto mais claros esses tópicos ficarem para nós, mais reflexivos ficamos em relação a eles e mais eficazes serão os nossos esforços para assimilá-los.

Geralmente, quando tentamos pela primeira vez algum tipo de meditação, encontramos a mente em estado de agitação. Depois de apenas alguns segundos a mente vagueia. Voltamos a nos concentrar e a mente vagueia novamente. Repetidas vezes ela vai à deriva, muitas vezes saltando de um pensamento ao outro. Ou, então, podemos nos encontrar sonolentos, incapazes de nos concentrar em algo em absoluto. A mente oscila entre excitação e letargia, como um pequeno cão que está ladrando excitadamente ou está dormindo. Quando trabalhamos na meditação, contudo, desenvolvemos mais capacidade para controlar esses desequilíbrios internos e para fazer a mente permanecer mais estável e serena. Finalmente, descobriremos que esse estado saudável da mente não é experimentado apenas na meditação, influenciará tudo o que fizermos, propiciando mais paciência, calma e estados internos serenos.

Natureza da Mente e Meditação

Podemos usar a metáfora de um belo lago cercado de montanhas para compreender a natureza da mente e da meditação. Se as águas do lago estiverem calmas poderemos observar plenamente sua beleza: o reflexo da paisagem e toda a riqueza do seu interior. Mas se as águas estiverem agitadas pelo vento, elas se tornarão turvas e não poderemos apreciar a sua beleza de forma plena.

Da mesma forma será a nossa mente, se ela estiver agitada pelas diversas aflições, tais como raiva, ansiedade, medo, etc. e obscurecida por crenças equivocadas e padrões negativos de comportamento, não poderemos apreciar a sua beleza e todo o seu potencial.

A meditação é um sistema de treinamento que visa acalmar a mente e remover os padrões que obscurecem a sua verdadeira natureza.

O treinamento em meditação é um sistema para transformar experiências pelo treinamento da mente. Sua premissa é que, como a qualidade da experiência é determinada pela mente, com o treinamento da mente podemos modificar a qualidade da experiência. Por este motivo, a jornada budista é interior. Seu objetivo é inspirar nossos esforços com serenidade e alegria, transformar nossa perspectiva do eu e da realidade, e desbloquear nosso potencial para sermos uma força positiva no mundo.

A palavra buda significa “desperto”. Refere-se ao potencial mais completo da mente para atingir seus estados positivos e suas qualidades. O treinamento budista é um meio de revelar esse potencial. Seus métodos datam de mais de dois mil anos. O foco desse método é como experimentamos a vida; seu objetivo é transformar essa experiência através da elevação da consciência e do desenvolvimento interior.

Desenvolver esse potencial nos leva além da experiência comum e ocasiona uma modificação profunda na perspectiva e na manifestação de qualidades positivas. Se, por exemplo, nossa percepção ordinária for como alguém que vê o mundo com óculos coloridos, então a liberação, a iluminação e o nirvana representam o que acontece quando se tira os óculos. Não se trata de algum lugar onde se foi, mas de uma visão diferente da realidade que se encontra todos os dias. Essa visão contrasta com a visão ordinária cotidiana, que geralmente é vivenciada através de filtros que criam tensão e agitação. As causas das tensões e das agitações são em grande parte o objetivo do treinamento budista.

Nossa meditação está funcionando?

A meditação é uma habilidade adquirida, algo em que ganhamos competência ao longo de algum tempo. A regularidade é mais importante do que a duração da prática, portanto é melhor ter uma sessão de meditação durante poucos minutos uma ou duas vezes ao dia do que ter sessões mais longas menos frequentes. Também é importante a atitude que tomamos na meditação. Devemos tentar não tratá-la somente como uma meta a realizar. Não tem nada a ver com performance. Não a realizaremos medindo, correndo ou nos comparando. Devemos tentar ver a meditação como uma zona sem pressão nas nossas vidas, um empreendimento que fazemos sem expectativas, sem pressões ou julgamento.

Como saber se o treinamento budista está funcionando? A resposta depende de diversos fatores, incluindo o que queremos dizer com “funcionando” e onde estávamos quando começamos o treinamento? Vamos compará-lo com exercício físico. Como sabemos se o exercício está funcionando? A resposta depende de fatores similares: o que queremos dizer com “funcionando” e onde estávamos quando começamos o treinamento. Por exemplo, com “funcionando” queremos dizer transformar-nos num atleta olímpico, ou significa melhorar nossa frequência cardíaca e circulatória em repouso? Além disso, nós iniciamos estando medianamente saudáveis, ou iniciamos completamente fora de forma e com sobrepeso? Uma pessoa pode sentir-se maravilhosa por fazer uma quantidade moderada de exercícios físicos mantendo a obesidade distante, enquanto outra pode sentir-se fracassada por ter levado mais de três horas para correr uma maratona.

E quanto ao treinamento budista? Por “funcionando” queremos dizer vivendo em uma contínua aura de felicidade ou estamos satisfeitos com as mudanças progressivas em nosso bem-estar? Iniciamos com altos níveis de agitação e angústia ou estamos contentes em começar? Se em nosso primeiro encontro com o treinamento budista ocorrer, por exemplo, quando estivermos muito agitados ou fisicamente doentes, apenas obter um pouco de paz mental poderia dar a sensação de uma grande realização.

O objetivo do treinamento budista é transformar as experiências. Dessa maneira, é só pela nossa experiência que podemos dizer se a meditação está tendo um impacto positivo. A medida do sucesso da meditação não é o que acontece enquanto estamos meditando, nem quão hábeis na meditação nós nos tornamos, mas se estamos transformando a maneira como vivemos, reagimos e nos engajamos no mundo.

Quando sentimos que nossa prática de meditação está se tornando uma força positiva para reduzir tensões e dificuldades e cultivar boas qualidades de pensamento e ação, então nossa meditação está funcionando.